20 julho 2013

Seis Séculos de Pintura Chinesa - Pinacoteca




     A falésia vermelha, entre 1490 e 1559
     When  Zhengming (1470- 1559)
     nanquim e cores sobre papel  

Inscrição e assinatura: No décimo sexto dia da sétima lua do ano Renxu [1082], fui em um barco com alguns companheiros ao pé da falésia vermelha. Um vento fresco soprava levemente e não levantava nenhuma onda. Ergui minha caneca para convidar meus amigos a beber e recitei um poema no qual uma lua brilhava, era uma canção muito bonita. Pouco depois, a lua subiu no alto da montanha do leste; ela hesitava entre a grande Ursa e a estrela do Boieiro. Um orvalho branco recobria o rio e o brilho da água se juntava ao céu. Não sabíamos onde estávamos, mas tínhamos a impressão de voar como se abandonássemos o mundo humano, como se asas tivessem nascido em nós, e subíamos, como se fôssemos imortais.
Começamos então a beber e fomos contagiados por uma grande felicidade. Cantávamos ao longo do barco, entoando o ritmo. Nossa música dizia: “Revestimento de caneleira, ramas de magnólia. Atravessamos uma água clara e transparente e subimos a brilhante correnteza. Meus pensamentos partem para longe e meu olhar se voltam para uma linda mulher que se encontra num pedaço do céu”. Um de nossos companheiros tocava gaita para nós. Sua música melodiosa também tinha um pouco de rancor e de ressentimento; dir-se-ia que ele chorava e se lamentava; e o som prosseguia como um fio que se estende sem se romper.
Talvez ele fizesse dançar um dragão escondido no fundo das grutas sombrias e fizesse chorar uma viúva sozinha no barco solitário. Fiquei muito triste com aquilo e, arrumando meu casaco e endireitando-me em meu lugar, perguntei ao músico: “Por que essa melodia?”. E ele me respondeu: “A lua brilha, as estrelas são raras, as gralhas voam para o sul: não estariam aí os versos de Cao Cao? Se olhamos em direção ao oeste, vemos Xiakou, em direção ao leste, Wuchang; montanhas e rio se juntam em um lúgubre verde escuro; não seria aqui que Cao Cao fora derrotado por Zhou Yu? Ele havia capturado Jingzhou e descido o rio até Jiangling. Seus barcos, que seguiam a correnteza em direção ao leste, espalhavam-se em mil léguas, e seus estandartes escondiam a vista do véu. Ele se serviu de vinho, aproximou-se do rio e, segurando uma alabarda, compôs esse poema. Certamente, ele foi o herói de toda uma geração, mas onde ele se encontra hoje? Ou, ainda, o que vai acontecer com vocês, comigo, pescadores e lenhadores à beira do rio, conosco, que temos peixes e camarões como companheiros, a corça e o cervo como amigos, que prosseguimos em um esquife parecido a uma folha, que erguemos cantis e canecas convidando-nos uns aos outros a beber? Fomos enviados ao universo como seres efêmeros e mariposas, grãos de arroz no oceano. Fico triste com o breve destino de minha vida, invejo o infinito do longo do rio, queria voar seguindo os imortais, enlaçar a lua e durar o mesmo tempo que ela. Mas sei que isso é impossível, e confio minha melodia ao triste vento”.
Eu respondi: “Você também conhece a água e a lua? Elas passam como essa correnteza, mas nunca vão embora. O cheio e o vazio são como elas, e finalmente, não existe morte nem continuação. Se pensarmos no que de nós mesmos se transforma no universo, nada permanece, nem mesmo o tempo de um piscar de olhos; e se considerarmos o que continua sem se transformar, então tudo é infinito, inclusive eu. O que devemos invejar então? Além disso, no mundo, cada coisa tem um mestre. Se alguma coisa não me pertence, não posso segurá-la. Mas a brisa sobre o rio, a lua sobre as montanhas que meus sentidos transformam em som e em cores, nada me impede que eu absorva essas coisas, e posso aproveitar isso infinitamente. É um tesouro imensurável da criação, este de que eu e você podemos gozar juntos.”
Todos os meus companheiros puseram-se a rir. Tínhamos lavado as canecas e voltamos a beber; quando terminamos a carne e as frutas, as taças e o pratos estavam desarrumados. Servindo-nos todos de travesseiros, dormimos no barco sem nos darmos conta de que o leste embranquecia.
Escrito por Zhengming, no ano Renzi [1552]


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