A falésia vermelha, entre 1490 e 1559
When Zhengming (1470- 1559)
nanquim e cores sobre papel
Inscrição e
assinatura: No décimo sexto dia da sétima lua do ano Renxu [1082], fui em um
barco com alguns companheiros ao pé da falésia vermelha. Um vento fresco
soprava levemente e não levantava nenhuma onda. Ergui minha caneca para
convidar meus amigos a beber e recitei um poema no qual uma lua brilhava, era
uma canção muito bonita. Pouco depois, a lua subiu no alto da montanha do
leste; ela hesitava entre a grande Ursa e a estrela do Boieiro. Um orvalho
branco recobria o rio e o brilho da água se juntava ao céu. Não sabíamos onde
estávamos, mas tínhamos a impressão de voar como se abandonássemos o mundo
humano, como se asas tivessem nascido em nós, e subíamos, como se fôssemos
imortais.
Começamos então
a beber e fomos contagiados por uma grande felicidade. Cantávamos ao longo do
barco, entoando o ritmo. Nossa música dizia: “Revestimento de caneleira, ramas
de magnólia. Atravessamos uma água clara e transparente e subimos a brilhante
correnteza. Meus pensamentos partem para longe e meu olhar se voltam para uma
linda mulher que se encontra num pedaço do céu”. Um de nossos companheiros
tocava gaita para nós. Sua música melodiosa também tinha um pouco de rancor e
de ressentimento; dir-se-ia que ele chorava e se lamentava; e o som prosseguia
como um fio que se estende sem se romper.
Talvez
ele fizesse dançar um dragão escondido no fundo das grutas sombrias e fizesse
chorar uma viúva sozinha no barco solitário. Fiquei muito triste com aquilo e,
arrumando meu casaco e endireitando-me em meu lugar, perguntei ao músico: “Por
que essa melodia?”. E ele me respondeu: “A lua brilha, as estrelas são raras,
as gralhas voam para o sul: não estariam aí os versos de Cao Cao? Se olhamos em
direção ao oeste, vemos Xiakou, em direção ao leste, Wuchang; montanhas e rio
se juntam em um lúgubre verde escuro; não seria aqui que Cao Cao fora derrotado
por Zhou Yu? Ele havia capturado Jingzhou e descido o rio até Jiangling. Seus
barcos, que seguiam a correnteza em direção ao leste, espalhavam-se em mil
léguas, e seus estandartes escondiam a vista do véu. Ele se serviu de vinho,
aproximou-se do rio e, segurando uma alabarda, compôs esse poema. Certamente,
ele foi o herói de toda uma geração, mas onde ele se encontra hoje? Ou, ainda,
o que vai acontecer com vocês, comigo, pescadores e lenhadores à beira do rio,
conosco, que temos peixes e camarões como companheiros, a corça e o cervo como
amigos, que prosseguimos em um esquife parecido a uma folha, que erguemos
cantis e canecas convidando-nos uns aos outros a beber? Fomos enviados ao
universo como seres efêmeros e mariposas, grãos de arroz no oceano. Fico triste
com o breve destino de minha vida, invejo o infinito do longo do rio, queria
voar seguindo os imortais, enlaçar a lua e durar o mesmo tempo que ela. Mas sei
que isso é impossível, e confio minha melodia ao triste vento”.
Eu
respondi: “Você também conhece a água e a lua? Elas passam como essa
correnteza, mas nunca vão embora. O cheio e o vazio são como elas, e
finalmente, não existe morte nem continuação. Se pensarmos no que de nós mesmos
se transforma no universo, nada permanece, nem mesmo o tempo de um piscar de
olhos; e se considerarmos o que continua sem se transformar, então tudo é
infinito, inclusive eu. O que devemos invejar então? Além disso, no mundo, cada
coisa tem um mestre. Se alguma coisa não me pertence, não posso segurá-la. Mas
a brisa sobre o rio, a lua sobre as montanhas que meus sentidos transformam em
som e em cores, nada me impede que eu absorva essas coisas, e posso aproveitar
isso infinitamente. É um tesouro imensurável da criação, este de que eu e você
podemos gozar juntos.”
Todos
os meus companheiros puseram-se a rir. Tínhamos lavado as canecas e voltamos a
beber; quando terminamos a carne e as frutas, as taças e o pratos estavam
desarrumados. Servindo-nos todos de travesseiros, dormimos no barco sem nos
darmos conta de que o leste embranquecia.
Escrito
por Zhengming, no ano Renzi [1552]